por Luiz Carlos Santos
O mundo fashion, invariavelmente, é tema farto para filmes que, ora se querem sérios e imponentes, como uma coleção de inverno sem muita cor, ora escracham e resvalam para comédias espirituosas e absurdas. Poucos são os que conseguem alcançar ao menos um desses objetivos. Em geral, reforçam o estereótipo do fútil e blazé que assombra o universo da moda, entregando ao espectador uma peça feia feita com material que poderia render um deslumbrante vestido. Este simpático “Amor e outros desastres” (EUA, 2008), de Alek Keshishian, usa os maneirismos de uma comédia romântica de forma inteligente, tendo como pano de fundo cetins, rendas e a lingerie de Brittany Murphy.
Com aquela sagacidade que nos acostumamos a encontrar em autores como Oscar Wilde – cujos epigramas ressoam aqui e ali nas bocas dos personagens –, é uma delícia acompanhar um filme sem grandes pretensões que diverte sem o menor esforço. Numa genuína comédia de erros, somos apresentados a Emily “Jacks” Jackson (Murphy), cuja vida amorosa não é das mais tranquilas. Sem ter alguém de verdade, contenta-se com um relacionamento desgastado com o ex e em ajudar os amigos em suas aventuras amorosas.
Mesmo assim, diferente de muitas heroínas do gênero, Jacks é alegre, engraçada e carinhosa. Nada de rancor ou auto-indulgência. O diretor-roteirista não faz da moça uma infeliz que não sabe saborear as outras coisas que tem. Ela se delicia com os amigos – em reuniões que são pontos-chave do filme – e tem verdadeiras crises de riso com as situações mais banais. Além disso, é uma americana descendente de latinos, o que faz com que saiba dançar tango e falar espanhol.
Trabalhando como editora-assistente das sessões de fotos da Vogue britânica, ela conhece Paolo Sarmiento (Santiago Cabrera), um charmoso ajudante do mais temido fotógrafo da revista. Logo sua fértil imaginação e um olhar treinado para as aparências a fazem pensar que os dois têm um caso. Sem perceber que o rapaz se apaixona por ela, ao presumir que ele é gay, Jacks planeja apresentá-lo a seu colega de apartamento, Peter Simons (Matthew Rys), jornalista e aspirante a escritor que sofre com os mesmos desencontros amorosos.
Peter é um romântico que consegue assistir várias vezes a “Bonequinha de Luxo” (EUA, 1961) e, cada vez, justificar isso com uma desculpa esfarrapada, do tipo “Estou fazendo anotações para o meu trabalho”, debulhando-se em lágrimas. Bonequinha de Luxo é uma das principais referências do filme, de roupas a filosofias como a do amor romântico e ideal. Como um conto moderno, leva-nos à reflexão sobre ideais que sempre tivemos como inabaláveis.
O romantismo do rapaz, aliás, beira o absurdo, mas, para românticos como eu e, certamente, você, é uma graça. Por quê? Ora, Peter acha que encontrou o amor da sua vida no saguão de um hotel aonde fora fazer uma entrevista. Esbarra no homem – um tipo irresistível, apresentado numa cena de novela – e sai dali extasiado. Sem ter trocado uma palavra com o galã, começa a projetar nele seu sonho de amor.
Para ajudar o amigo, Jacks e Tallulah Wentworth (Catherine Tate, ótima) descobrem quem é seu objeto de desejo. Como o nonsense é a espinha dorsal do filme, arranjam encontros e situações que, claro, não dão certo. Enquanto isso, Jacks está numa pendenga sexual com o ex, com Paolo ao lado tentando conquistá-la. Antes disso, porém, o assistente precisa contar a ela seu “segredo” – e curioso como o diretor inverte as situações ao fazer com que o personagem mais masculino do filme tenha medo de revelar que não é gay.
Muita gente acha que a intenção era fazer um “Bonequinha de Luxo” pós-moderno, mas é bobagem acreditar que alguém, algum dia, achará que pode imitar um clássico como esse – e acredito na inteligência do diretor de “Na cama com Madonna” (EUA, 1991) para fugir de tal armadilha. As referências são, na verdade, uma grande homenagem a uma obra fundamental para amantes de moda, romance e, sim, as luvas e piteira de Audrey Hepburn.
“Amor e outros desastres” também dá um recado: julgar as pessoas pelas aparências pode ser perigoso, mesmo que isso seja difícil, especialmente num universo onde o que se vê é mais importante do que se sente. Todos sentem na pele as dores que o pré-julgamento pode causar: Paolo, confundido com homossexual, Jacks, que Paolo, por sua vez, acredita ser fútil e vazia, e os inúmeros amores utópicos de Peter, que sempre aparecem em sonhos irrealizáveis. Erros que cometemos no caminho dessa história chamada de amor.
Indicado para quem não quer quebrar muito a cabeça, o filme também é uma ótima pedida do tal cinema da diversidade, subgênero criado para identificar obras em que personagens gays desempenham papéis importantes na trama. Com diálogos divertidos e sem ser uma obra-prima, diverte na medida certa. E se você não perde uma comédia romântica, deve conferir.
Em tempo: reparem nas pontas engraçadíssimas de Gwyneth Patrow e Orlando Bloom, na conclusão metalinguística da fita, recurso que, embora não seja novo em cinema, é usado de maneira original. Saiu direto em vídeo, mas vale muito a pena.
Amor e outros desastres
Love and other disasters, França, Reino Unido, 2006
Comédia, romance, 90 min.
De Alek Keshishian
Com Brittany Murphy, Mathew Rhys, Santiago Cabrera, Catherine Tate