Descubra como se faz o figurino de um espetáculo
de época com o figurinista da ópera “Romeu e Julieta”
Por Luiz Carlos Santos
Fotos: Elcimar Neves e Eliseu Dias / Agência Pará
Pode parecer estranho aos nossos olhos, acostumados a um mundo onde vestir-se tem de ser mais prático que tomar um copo d’água, um vestuário cheio de nuances, como babados, fitas, corpetes, bordados, acessórios e sobreposições. Esse tipo de roupa, que nos acostumamos a ver nos filmes, é o estilo predominante na maioria dos espetáculos de época. Voltando ao século XVI, quando a Idade Média dava lugar ao Renascimento e uma gama de novas ideias surgia no mundo, mergulhamos numa estética ainda mais elaborada, mas extremamente funcional.
Se hoje somos influenciados pelo que a novela mostra diariamente, a moda do século XVI baseou-se, em grande parte, na nobreza da corte espanhola. Estudiosos lembram que a maneira de se vestir sempre foi ditada pelas classes mais abastadas. A Europa, onde estava o centro do conhecimento, exportava o estilo, que, basicamente, era formado por tecidos negros, babados com fios de ouro e prata e decotes horizontais que exibiam as bordas da chemise, espécie de camisa, feita em linho ou algodão, usada por homens e mulheres, que tinha a função de proteger a vestimenta exterior do suor.
Segundo o fashion designer Thiago Cerejeira, autor do blog História da Moda (http://modahistoria.blogspot.com), também usavam-se golas altas e sóbrias, para dar o aspecto de uma postura rígida e elegante. Entre as mulheres, o estilo predominante era a cintura no centro do corpo, corpetes para definição da silhueta, com formato de cone invertido, as farthingales – tiras de metal unidas para armação das saias e efeitos – e os chapins, tamancos de cerca de 50 centímetros de altura, ricamente decorados.
Retratar essa época foi o desafio do figurinista Fernando Leite na composição do vestuário da ópera “Romeu e Julieta”, que abriu, no dia 14 de agosto, o III Festival Internacional de Ópera da Amazônia, em Belém, no Theatro da Paz. Chamado para, com seu traço particular, criar um visual que remeta à época em que a encenação se passa – exatamente o século XVI –, Fernando fez uma extensa pesquisa para identificar o que, como e por que as pessoas daquele tempo usavam tanta coisa.
“Como hoje, naquela época o vestuário era uma coisa que servia para diferenciar as classes sociais. Os nobres tinham figurinos cheios de detalhes que compunham um conjunto rico em camadas e os mais pobres se vestiam de maneira mais simples. Na ópera, a nobreza é representada, sobretudo, pelas damas, que ganharam as roupas mais elaboradas”, conta Fernando, que tem nada menos que 15 óperas no currículo.
O público poderá ver, numa cena de baile, cinco mulheres nobres, que usarão máscaras, perucas exuberantes e enormes – com cabelos vermelhos e que chegam a 50 centímetros de altura –, cintos, sapatos altos e o farthingale. “Claro que o farthingale não será visto”, brinca o figurinista, revelando que a pesquisa para o figurino foi extensa. “Não é uma época muito comum e presente no nosso dia-a-dia”, justifica.
Um detalhe importante, especificamente destacado pelo diretor cênico, William Ferrara, são as fitas que as mulheres vão segurar nas mãos. “É uma peça delicada, que faz um belíssimo efeito sob as luzes. Usamos nesse conjunto muitas cores, para dar o efeito desejado”, antecipa.
“Romeu e Julieta” tem mais de 150 peças de roupa e outros 200 acessórios. Só capas pretas são 55, todas compradas no comércio local. Para a produção, aliás, 90% do material foram comprados em Belém, assim como a mão-de-obra é, em sua maioria, paraense. A equipe de sete costureiras e três aderecistas uniu forças no ateliê de Hélio Alvarez, responsável por grande parte dos figurinos dos espetáculos produzidos no Pará.
A criatividade é a maior aliada na hora de pensar no que comprar para fazer um vestido luxuoso da era elizabetana sem os tecidos nobres da época, como a seda. “Fui ao comércio de Belém e achei quase tudo lá. Tive de pensar em cada peça no momento em que pegava o material, para fazer figurinos que, além de bonitos, têm de ser funcionais, pois temos, durante o espetáculo, trocas de roupa que precisam ser feitas em menos de 30 segundos”, revela.
Para criar a identidade visual, Fernando Leite usou o recurso dos tons distintos para cada grupo de personagens, estratégia emprestada da semiótica para que o público identifique de imediato a que família aquele personagem em cena pertence. Assim, Montecchios e Capuletos aparecerão em cores contrastantes, o que vai ajudar o público a identificar os mais de 150 integrantes do espetáculo, que estarão em cena ao mesmo tempo em determinados momentos da apresentação.
Julieta – que veste pelo menos cinco vestidos durante a ópera – vai desfilar em tons quentes, enquanto os Montecchios, da família oposta, serão vestidos em tons frios. Os serviçais usarão cinza e as senhoras nobres, roupas luxuosas e cheias de detalhes. O único que vai aparecer inteiramente de vermelho, um meio termo entre as tonalidades usadas nos demais personagens, é o senhor Capuleto.
O paulista Fernando Leite começou em 1989, ainda como aderecista, para depois se tornar assistente de figurino e, em seguida, figurinista. Participou da produção de óperas em cidades como São Paulo e Manaus (AM), além de Lisboa, em Portugal. No Pará, este é a quinta montagem de que participa. Fazer ópera em Belém, diz, é um prazer maior pela oportunidade de se apresentar no Theatro da Paz, celebrado por artistas de todo mundo pela beleza e arquitetura. “Espero que o público goste das roupas que vamos apresentar, que não são mais a moda das ruas, mas ainda fazem o estilo de personagens que nos emocionam e enternecem”, finaliza Leite.
Um comentário:
égua! adorei a matéria!
;*
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