quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Altos e baixos do drama de viver

Por Luiz Carlos Santos

A coisa mais legal do divertido “Amigas com dinheiro” é seu tom despretensioso. Embora pareça, em função de uma carga dramática estabelecida logo no início, o filme não quer fazer uma profunda análise da classe média norte-americana, muito menos ser filosófico ou sério em demasiado. O formato pequeno guarda em si um conteúdo interessante e expõe, de maneira inteligente e sutil, o vazio que há nas vidas de um grupo de quatro mulheres que já passaram dos 30. Ricas ou não, elas não têm mais nada mesmo a fazer, a não ser procurar conflitos e nos divertir com eles.

Com elenco afiado, o filme tem pelo menos duas atrizes que eu acho sensacionais, as americanas Frances McDormand e Catherine Keener. Elas protagonizam as melhores cenas dessa comédia dramática que fala de conflitos muito próximos a todos nós. Casamentos em colapso, crises existenciais, solidão, falta de dinheiro e sexualidade. Tudo é apresentado de maneira leve e engraçada, sem ser superficial. Os diálogos são espirituosos e as situações, inusitadas. A trilha, quase incidental, ajuda a construir um certo tom de desconforto e comédia nonsense.


As comparações com “Sex and the city” foram muitas. Não é à toa. A diretora e roteirista, Nicole Holofcener, dirigiu diversos episódios da série e também de “Gilmore Girls”. Acostumada a retratar mulheres maduras na tela, a cineasta aproveita ao máximo o excelente elenco para falar a um público específico sem ser restrita. O roteiro tem pequenos problemas de estrutura – algumas saídas ficam fora de contexto – e Jennifer Aniston se esforça, mas não convence no papel de professora desempregada e dublê de diarista.

Divertida mesmo é a estilista feita por Frances McDormand. Conhecida pela verve humorística, coisa que ela trouxe dos filmes que fez com o marido Joel Coen, a atriz faz uma mulher amarga e mal humorada, que expressa a insatisfação com a vida pelo simples hábito de não lavar mais os cabelos. “Se eles vão ficar sujos de novo, para quê?”, ela pergunta ao marido, numa sequência em que mostra vulnerabilidade e um mal estar que percorre, de maneira geral, todos os personagens. Sem problemas no casamento, a costureira é um tipo muito comum e que, ainda por cima, tem um marido que não sabe que é gay.

A ótima Catherine Keener tem com Jason Isaacs (excelente) batalhas verbais que retratam com muita fidelidade as brigas sem sentido que casais estabelecidos e enfadados têm entre si. Aquela última tentativa que fazemos antes de terminar uma relação é metaforizada por uma construção aparentemente fadada a ruir na casa que está, na verdade, caindo aos pedaços. Marido e mulher – que trabalham juntos, como roteiristas – tentam terminar um texto que, na vida real, não flui mais. Keener está irrepreensível no papel de mulher que, apesar de inteligente, tapa os olhos para a realidade e escolhe as maneiras mais equivocadas de conduzir a vida – só para, depois, jogar a culpa em alguém.


Joan Cusack é a mais chata do trio endinheirado. Casada com um homem bem-sucedido, ocupa-se em arrumar pretendentes para Olívia (Aniston) e ajudar instituições beneficentes que se valem da “bondade” de ricaços enfadados que têm como pagar por jantares de mil dólares em função de uma boa causa. No meio das vidas sem sentido e de uma espécie de autocomiseração coletiva, ela e McDormand têm a cena mais terna, quando são elogiadas pelos maridos na volta para casa depois de mais um encontro com as amigas.

Jennifer Aniston é o elo mais fraco do elenco, talvez por fazer uma mulher sem emprego que, apesar de não ser rica, não parece ter muitos problemas com a falta de grana. Viciada em amostras grátis de cosméticos – uma idiossincrasia que resulta em cenas muito cômicas –, a atriz parece fazer apenas uma versão apática e com azia da eterna Rachel de “Friends”. Com poucos diálogos engraçados e soluções inverossímeis, Olívia parece deslocada no meio das espirituosas amigas. Mesmo que isso tenha sido intencional, não funciona.

No geral, porém, é um filme que acaba surpreendendo. Graças à empatia do elenco e ao roteiro que dosa na medida certa drama e comédia, ganha facilmente a atenção do espectador, pegando emprestada uma estrutura de filmes na linha de “Short Cuts – Cenas da vida” (1993), de Robert Altman, e “Corpos em movimento” (1993), que já usavam uma estética específica para falar do vazio de sociedades modernas e com estilo de vida confortável, porém sem sentido. Apesar de fazer poucas concessões, “Amigas com dinheiro” consegue nos deixar com uma sensação de que nem tudo está perdido e que a vida passa rápido demais para quem se esconde atrás de histórias que não encantam nem emocionam.

Friends with money
EUA, 2006
De Nicole Holofcener
Com Catherine Keener, Francês McDormand, Jennifer Aniston, Joan Cusack.
Comédia, 88 min.

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